Evitando voar: a doce vida dos panicados que viajam de trem
Quem é panicado ou panicada bem sabe: a sensação de sair do solo e viajar a mais de dez mil metros de altitude pode ser aterrorizante. Infelizmente, não temos mais uma grande rede ferroviária no Brasil que facilite os deslocamentos por via férrea. Quando estou na Itália, viajando para visitar parentes, sempre dou prioridade a fazer trechos por terra, sobretudo trens. Amo! Fico pensando: “a essa hora estaria preso em uma lata voando alto”. E se você for parar para pensar nos trajetos até o aeroporto, o tempo que leva (chegar com duas horas de antecedência), todo o processo de segurança antes do embarque, a espera antes de entrar na aeronave… tudo isso leva um baita tempo! Então, pegar um trem, que geralmente sai e chega pontualmente no centro das cidades, pode ser até mais rápido. E eu não estou sozinho nessa, não. Conversei com três panicados que atestam: viajar assim é tudo de bom — ou quase.
O primeiro é o cozinheiro brasileiro Ricardo Brauna, que atualmente mora no Canadá. Por lá ele já fez algumas viagens de trem. Mas antes vamos ver como todo o medo começou. Ricardo conta que sente bastante ansiedade quando tem de entrar em um avião. Durante o voo, qualquer turbulência ou anúncio não esperado da cabine o deixa muito sobressaltado. “Lembro de ter ficado bastante abalado com o acidente aéreo do Chapecoense (2016), obcecado por problemas técnicos em aviões, pois no período eu já havia começado a me sentir desconfortável em voar”. O brasileiro afirma que o medo não o impede de pegar um avião, mas a experiência não é tão animadora como costumava ser.
Para Ricardo, a vantagem de escolher o trem como meio de transporte é a sensação de tranquilidade para quem se sente desconfortável de voar, além das paisagens e da possibilidade de locomoção dentro do trem. Normalmente, ele elenca, é possível andar entre os vagões, visitar o vagão-restaurante, então não é tão limitante como uma viagem de avião ou de ônibus. Em agosto passado, ele viajou da cidade canadense onde mora, Moncton, na costa leste, para Montreal, na província de Quebec. Foram 17 horas de viagem. Mas o longo período não desanimou o panicado. “A desvantagem é, decididamente, o preço. Em geral acho a viagem de trem cara, em especial em lugares que tenham empresas de aviação low budget. O trem que peguei para o Quebec estava muito mais barato que o avião, mas não diria necessariamente que foi barato. Por ser agosto, alta estação de verão (no hemisfério norte), os preços de voos estavam acima do comum. Mas ainda que mais caras do que eu esperaria para um trem, para pessoas que não toleram a viagem de avião por medo de voar ainda é vantajoso se pagar uma viagem de trem como alternativa”, conta.
Quem partilha das maravilhas de ter uma rede férrea abrangente no país onde vive é a arquiteta brasileira Marina Moreira, que mora em Porto, em Portugal. Ela já rodou o país onde reside, indo a Aveiro, Coimbra, Braga e Guimarães. Ela elogia a malha ferroviária portuguesa, na qual tudo se conecta por “comboios” (como os portugueses chamam os trens), facilitando demais os acessos a outras cidades. Ela ressalta que os preços das passagens não são caros e assim fica mais seguro do que dirigir nas rodovias Todas as viagens por lá foram curtas, de no máximo 1h30 de duração. Às vezes acha lugar para se sentar; às vezes, não. Mas como foram trajetos curtos, não se incomodou muito com isso. Ela também já fez outras viagens de trem pelo continente europeu — e a mesma experiencia de não ter um lugar para descansar, tendo que ficar em pé, ela passou na Itália. “A sensação sempre foi agradável, sempre consegui me distrair no caminho, lendo um livro ou vendo a paisagem passar a partir da janela. Tenho sempre uma sensação de tranquilidade e a quantidade de tempo que passo no trem não me incomoda”, diz. As viagens mais legais, ela lembra, foram pelo leste europeu, nas quais até dormiu como uma pedra, nas palavras dela. Os trens eram confortáveis e as visão do lado de fora lindíssima. “Acho que a melhor coisa de viajar de trem é ver a paisagem! Lembrei agora que, no Peru, o trem que leva à cidade próxima a Machu Picchu anda ao lado de um rio bastante caudaloso e cheio de pedras. Acompanhar paisagens como essa é maravilhoso demais”.
Outra panicada, a psicóloga Daphne de Castro conta que acha estanha a sensação de voar (“parece antinatural”, diz). O fato de ser muito apertado e ter muita gente causa nela um pouco de claustrofobia. Fica nervosa e só consegue decolar ouvindo música, e as canções escolhidas também a acalmam nos momentos de turbulências. “Mas adoro viajar e uso músicas e livros pra desviar minha atenção do ambiente”. Nesse sentido, pegar um trem é uma bênção para ela. “É uma sensação de liberdade. Consigo relaxar e curtir as paisagens no caminho. Também tem mais espaço, então acho muito mais confortável”, conta. Para Daphne, as vantagens são essa possibilidade de “esticar as pernas” andando um pouco pelos corredores e o fato do trem estar sobre trilhos e não no ar. Além de conseguir ver um pouco das cidades nos trajetos. “A desvantagem é que as estações são um pouco confusas, mas talvez eu tenha essa impressão porque no Brasil não temos o privilégio do trem”.
Para finalizar essa matéria, pergunto: já pensou se as cidades brasileiras fossem conectadas por uma boa rede férrea? Eu, que moro em Salvador, não me incomodaria de passar umas horas no trem para chegar a outras capitais aqui perto, como Aracaju, Maceió ou Recife. E se sonhar não custa nada, já pensou pegar um trem-bala e ir passar um fim de semana em São Paulo sem ter de precisar passar pela tortura de entrar em um avião? Sonho meu… Aliás, sonho nosso!
Uma matéria de dezembro de 2021 da CNN lembra que, ao redor do mundo, “desde a década de 1980, centenas de bilhões de dólares foram investidos em novas ferrovias de alta velocidade e capacidade na Europa e na Ásia, iniciadas pelo Shinkansen do Japão e pelo Train a Grand Vitesse (TGV) na França”. O texto prossegue dizendo que, na última década, a China se tornou a líder mundial indiscutível, construindo uma rede de mais de 38 mil quilômetros de novas ferrovias que alcançam quase todos os cantos do país. Além disso, outros países, como Espanha, Alemanha, Itália, Bélgica e Inglaterra estão expandindo a rede interligada a nações vizinhas.
Em 2018, a o continente africano, diz a CNN, viu nascer sua primeira ferrovia de alta velocidade com a abertura da linha Al-Boraq, no Marrocos. O Egito deve inaugurar sua linha rápida ainda nesta década, se tudo correr bem.
E qual o trem mais rápido do mundo? Ele fica na China e viaja a uma velocidade comercial de 460 quilômetros por hora. Seria como sair de Salvador e em umas três ou quatro horas (já contando paradas) chegar a Brasília. Realmente, um sonho.
Gostou da matéria? O rivotravel já fez uma outra matéria intitulada “Evitando voar”, mas que aborda aqueles que preferem cair na estrada do que pegar um avião. Cliquem no botão abaixo para ler!