Como é voar na Air Baltic

 
 

Esse relato talvez seja um tanto quanto bizarro: um cara apaixonado por aviões desde criança, que colecionava réplicas, sabia tudo sobre a área, pensou seriamente em ser piloto comercial na adolescência e que, já adulto, acabou desenvolvendo um pânico de voar. Mesmo assim, esse cara continua amando aviação, lendo, pesquisando e se apaixonando cada vez mais. Sempre. Exceto quando está sentado em uma poltrona e o avião começa a arrancada para a decolagem. Esse cara já chorou de pânico em um voo. Esse é o grau da coisa. Bem, nem preciso dizer que esse cara sou eu, né? 

 

Aviões da Air Baltic no aeroporto de Riga (Letônia)

 

Tudo isso para dizer que, no voo sobre o qual farei o review, voei com a preciosa ajuda de um remédio para controlar a ansiedade (devidamente prescrito por um médico) e uma dose generosa de uísque. “Mas peraê. Qual a validade de um review feito por um passageiro semi-grogue?”, você pode perguntar. Concordo, meio dúbio tudo isso. No meu primeiro review aqui no Rivotravel, de um voo Copenhague-Reykjavik pela Iceland Express, eu ainda não tinha pânico, então foi tudo ok. Para me preparar para este review atípico, usei alguns artifícios, planejados antes da viagem. 1) Tentei aumentar minha atenção nos detalhes do voo, pois precisaria driblar o ar letárgico. 2) Anotei tudo num caderninho à medida que ia observando as coisas. E isso de fato ajudou. Tanto é que, dias depois, reli as anotações (garranchos psicografados pouco legíveis) e me peguei tipo “uau, é mesmo, nem lembrava disso”. Sendo que “disso” = “algo que acontecera dias antes”.

“Mas, rapaz, isso ainda tá tudo muito estranho, o senhor estava um morto muito louco no avião, qual seu poder de análise?”, você pode ainda perguntar, com certa razão, caro leitor. Entra em jogo o terceiro fator: um outro humano viajando comigo, sem pânico (ou seja, 100% lúcido), e previamente instruído sobre o que observar em um voo para um bom review.

 

Compra

Tudo começou quando eu, Rafael (editor do Rivotravel) e um amigo começamos a programar nossas férias. Escolhemos o destino (Europa) e o período (mês de maio — primavera!). Depois de Paris, Roma e Costa Amalfitana, era hora de dar adeus ao amigo no aeroporto romano de Fiumicino e embarcar para a parte a dois da viagem: Tallinn (Estônia), Estocolmo (a espetacular capital sueca), Bergen (para conhecer os fjordes noruegueses) e Oslo. E é o trecho Roma – Tallinn (com conexão em Riga, capital da Letônia), com a Air Baltic, que irei focar aqui.

 

No aeroporto de Fiumicino (Roma) embarcando para Riga — notem que é uma funcionária da Alitalia quem fez o despacho para o embarque

 

Vamos voltar no tempo.

Apesar de ser leitor voraz, lembro de ter lido pouco sobre os países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia). Uma vez, uma amiga comentou ter conhecido e amado. Como eu e Rafael queríamos conhecer a Escandinávia, seria interessante incluir um destino báltico, pela proximidade. Utilizando ferramentas de pesquisa como o site Skyscanner, descobrimos um voo Roma–Tallinn operado pela low-cost Air Baltic. O preço era razoavelmente barato para um trecho considerado longo para o continente (3h45 de duração): 152 euros, já com todas as taxas, mais 20 euros para despachar uma bagagem de 20 quilos. A bagagem de mão de até oito quilos já era inclusa no preço da passagem.

Mesmo sendo um amante da aviação, pouco conhecia sobre a empresa. O site da Air Baltic, clean e fácil de usar, logo me passou uma impressão bastante profissional, bem diferente da árvore de Natal piscante que é o site da Ryanair*. Claro que resolvi fazer mil pesquisas, basicamente para ver se a empresa era segura. Assim, acabei descobrindo que a Air Baltic foi criada em 1995 como uma joint venture entre a ultra-prestigiada SAS (Scandinavian Airline System) e o governo letão (o hub da empresa é em Riga). A SAS, até 2009, tinha quase 50% da empresa, mas acabou se desfazendo do negócio.

Depois de uns anos mal das pernas, parece que a companhia báltica está se reerguendo e continua voando para muitas cidades da Europa Ocidental (com seus rígidos controles de segurança como pré-requisito), com direito a novos destinos agora no Verão Europeu, como Malta, Sardenha e Chipre. Então relaxei de vez – apesar da identidade visual da Air Baltic usar um tom de verde ligeiramente parecido com o da Webjet (calafrios).

A coisa começou a ficar melhor quando vi que esse voo Roma – Tallinn teria uma conexão/espera de quase sete horas em Riga. A outra opção era pegar uma conexão mais cedo em Riga, porém com desvantagens como pagar mais caro e voar em um fokker-50. Muito melhor então seria pegar o voo mais tarde — o que de fato acabamos pegando —, pois assim, nesse segundo trecho, voaríamos com um 737-300, o mesmo modelo usado no voo Roma–Riga. Não adianta argumentar e defender o fokker-50, dizendo que é tão seguro quando os jatos. Aquelas hélices girando do lado de fora não me convencem. E, quando fomos comprar as passagens, vimos que um fokker-50 havia caído no Congo no dia anterior, matando 36 pessoas. Se isso não era um sinal caindo dos céus (literalmente), não sei mais o que é um.

Sendo assim, optamos mesmo pela maluquice de fazer um tour CVC rapidão por Riga. Odeio conhecer uma cidade correndo, mas já que o destino final era mesmo Tallinn, então foi como um bônus mesmo. A maior parte dos comentários que farei aqui é referente ao voo Roma–Riga, pois teve duração bem maior (3h45 contra 40 minutos do trecho Riga–Tallinn).

Para melhorar nossos planos, maravilhas das maravilhas: descobrimos que o trajeto entre o aeroporto de Riga (pequeno, porém bem simpático) e o centro da cidade poderia ser feito em 15 minutos de taxi. Numa tarde de domingo, então, as chances de engarrafamentos caíam (a cidade estava bem tranquila, de fato). Mandamos um e-mail para o serviço de atendimento ao cliente da Air Baltic para confirmar se a bagagem seria despachada diretamente para Tallinn – assim poderíamos flanar por Riga apenas com uma mochila leve. Já escrevi aqui no site como conhecer duas cidades com apenas uma passagem — veja aqui.

 

Balcão Air Baltic no aeroporto de Riga (Letônia)

 

Pasmem: em exatos 32 minutos, recebi um gentil e-mail de resposta, confirmando que poderíamos, sim, pegar as malas apenas no destino final, Tallinn, e já sair de Roma com o cartão de embarque do trecho Riga-Tallinn. As companhias aéreas brasileiras têm muito o que aprender com a Air Baltic em termos de celeridade de resposta. Assim, acabamos batendo o martelo. Mas tive de relevar o fato de parte da frota de 28 aviões (composta por modelos 737-300, 737-500, fokker 50 e Bombardier Q400) ser dos anos 90. O avião que pegamos entre Roma e Riga, um 737-300 de prefixo YL-BBY, foi construído em 1999.

 

Check-in e embarque

Na véspera da viagem, fizemos o check-in online. Quem faz check-in no aeroporto tem de pagar uma taxa extra de 10 euros. Assim, chegando ao aeroporto de Fiumicino, tivemos apenas que despachar as malas. Havia a opção de receber o cartão de embarque no celular, no sistema QR Code. No aeroporto romano, o atendimento do check-in foi feito pelas sempre simpáticas (só que não) funcionárias da Alitalia.

 

Painel no aeroporto de Fiumicino para o voo com destino a Riga

 

O embarque foi remoto, coisa que só faz aumentar meu pânico. Passar perto das turbinas ligadas já me deixa ressabiado. A primeira impressão quando entrei na aeronave não foi das melhores: o avião estava lotado e muito quente, provavelmente com o ar-condicionado desligado. Apesar de limpa, a aeronave apresentava sinais de desgaste. As cadeiras, em couro azul escuro, imprimiam um ar antigo, um pouco pesado.

 

Embarque remoto em pânico. A cara feliz é por conta do uísque

 

Avião

O avião não possuía sistema de entretenimento. A revista de bordo, Baltic Outlook, era interessante e bem diagramada (claro que, grogue do jeito que estava, só li depois). Os preços dos lanches e das refeições não eram muito salgados, mas acabei não pedindo nada. Preferi guardar a fome para um belo almoço típico letão em Riga, coisa que rolou em um restaurante com ar medieval. Mas o legal disso tudo é que a Air Baltic tem opções (mais de uma) vegetarianas, algo raro e que agrada pessoas como Rafa, que é vegetariano. Havia muitas opções de lanches, refeições, bebidas, chocolates e snacks. Achei bacana também ter bebidas alcoólicas típicas dos países bálticos.

 

Cabine cheia e avião sem sistema de entretenimento

 

O espaço entre as poltronas era razoável. Tenho 1,86 m de altura e não me senti esmagado como costumo ficar na TAM ou Gol. Sobraram até uns dedos de distância entre meus joelhos e a poltrona da frente. Em todo caso, achei o assento estreito. Tudo bem que, depois de 10 dias na Itália, talvez eu estivesse mais gordo mesmo.

 

Revista de bordo Baltic Outlook, com matérias bacanas e bem diagramadas

 

A decolagem atrasou 20 minutos, o que considero pouco em tempos de aeroportos cada vez mais apinhados. O serviço de bordo começou após uma hora de voo. As aeromoças eram cordiais, eficientes e tinham um inglês correto, porém pareciam impessoais. Mas uma delas foi bem simpática comigo. Na metade do voo, fui, cambaleando, puxar papo com as aeromoças que ficam na galley traseira (isso me deixa menos tenso).

Quando soube que daríamos uma volta de cinco horas no centro de Riga antes de prosseguirmos para Tallinn, uma delas foi logo dando dicas de coisas para ver, inclusive sugeriu um lindo parque central que definitivamente valeu a pena, para sentar na grama e relaxar. Deu inclusive a dica de usar os táxis da Air Baltic — você pode comprar vouchers para os trajetos aeroporto-centro-aeroporto e é possível pagar no cartão.

 

Detalhe da asa suja em voo

 

Rafa lembra de uma coisa que eu não notei na viagem: a asa do avião no primeiro trecho parecia estar bem suja, o que o assustou um pouco. Além disso, durante o voo, em altitude de cruzeiro, uma das peças que compõem a asa tremia sem parar, parecendo estar meio solta. Apesar disso, ele disse que achou o voo tranquilíssimo, sem solavancos (ainda bem que ele só me contou sobre esses detalhes da asa alguns dias depois. Eu teria surtado ao ver a peça tremendo).

 

Opção vegetariana no cardápio do voo. Rafa passou bem

 

Os pousos — tanto em Riga quando em Tallinn — foram desastrosos! Ficou em mim a impressão de que os aviões simplesmente despencaram. Mas como amo o momento do pouso (afinal, marca o fim de minha angústia), por mim o piloto pode até dar um cavalo de pau na pista que eu estou comemorando e pedindo bis. Brincadeiras à parte, recomendo a Air Baltic. E, sobretudo, Tallinn. Uma cidade incrivelmente linda.

 

Táxi da Air Baltic em frente ao aeroporto de Riga

 

* O site da Ryanair na data da publicação desta postagem está bem bonitinho — mas em 2013 não era NEM UM POUCO bonito! Comentarei esta transformação da água pro vinho em um futuro post. Aguardem!

** Esse post sobre minha experiência com a companhia aérea Air Baltic foi originalmente publicado no site Melhores Destinos em novembro de 2013.