Turbulências zen: o curioso caso das pessoas que lidam bem com elas — tem até quem ame!

“E aí, como foi o voo?”. Certamente você já fez — ou já ouviu – essa clássica pergunta. A resposta pode ser um “foi ótimo”  (sinal de voo vazio, pontual e rápido, geralmente). Lógico que estamos falando de um cenário pré ou pós-pandemia. Mas se a resposta for ruim, posso afirmar certeza quase cirúrgica que teve turbulência em algum momento. Afinal, quem é que gosta de sentir o avião se tremer todo ou ter aquelas quedas abruptas?

Pois tem gente que não só lida numa boa com essa ocorrência por vezes comum como até mesmo sente prazer. Nesses anos deste site, fui colhendo muitos depoimentos de gente que ama viajar (uns com medo, outros sem). E mensagem aqui, desabafo acolá, pude perceber que nem todo mundo morre de pavor de turbulência. Que inveja, não é mesmo, caras panicadas e panicados? Antes de prosseguir, é bom lembrar que turbulência não derruba avião, como escrevemos aqui nesta matéria do rivotravel, na qual vocês podem saber mais sobre o que leva uma aeronave a chacoalhar tanto e de que forma isso (não) afeta a segurança do voo.

 
Tem como gostar de turbulências que transformam aviões em verdadeiras montanhas-russas? Olha que algumas pessoas amam a experiência…

Tem como gostar de turbulências que transformam aviões em verdadeiras montanhas-russas? Olha que algumas pessoas amam a experiência…

 

O caso mais curioso é o do produtor de eventos Antonio Queiroz, que diz amar turbulência e se sentir em um parque de diversões. “Acho que (o amor vem) pelo fato de eu ter uma relação muito tranquila com a morte, que é algo inevitável e imprevisível. As turbulências acabam gerando uma sensação como os esportes radicais, como pular de paraquedas ou bungee jumping, por exemplo, só que no avião acabamos tendo menos controle, e talvez por isso a experiência é sempre mais marcante e de certo modo emocionante”, conta Antonio. A professora Flora Cardoso surfa na mesma onda. “Já li textos explicando que é muito mais provável sofrer um acidente de carro do que de avião. Então, enxergo viajar de avião como um privilégio. As turbulências são aquelas pequenas pedras que encontramos quando andamos na rua”. E ela está certa: a maioria dos especialistas compara a turbulência justamente com o trepidar que sentimos no carro quando ele passa por uma estrada com pequena ondulações ou buracos. Informação é tudo, não é mesmo?

E tem ainda aquelas pessoas abençoadas “Eu não tenho medo de turbulências. Na verdade, em quase todos os voos eu pego no sono antes mesmo do avião decolar e só acordo quando está pousando, e sem remédio. O balanço, a pressão, tudo me dá sono, mas mesmo quando não durmo, não sinto medo, fico lendo, ouvindo música ou assistindo a filmes”, diz a arquiteta Rennata Magalhães. Ela conta que, como normalmente dorme com a cabeça apoiada na janela, às vezes acontece de bater a cabeça por conta de uma turbulência. Nesses casos, ela acorda atordoada e com raiva, mas na mesma hora se acomoda de novo e volta a dormir. Ah, como eu queria ser assim!

 
Rennata bem tranquila (e com a janela para apoiar a cabeça durante o sono) em um voo entre Madri e São Paulo

Rennata bem tranquila (e com a janela para apoiar a cabeça durante o sono) em um voo entre Madri e São Paulo

 

Mas será que esses nossos heróis e heroínas dos céus nunca tiverem seu momento de “gente como a gente”, ou seja, casos nas quais o temor falou mais alto, nem que seja um pouquinho? Vamos ver o que contam: “Só teve uma situação que me incomodou. Foi uma espécie de vácuo, que fez o avião “cair” por segundos. Coisas caíram (dos compartimentos), pessoas se deslocaram da cadeira e também senti um pouco de náusea. Foi desagradável”, relembra Flora.  “Me lembro de em alguns voos sentir um frio na barriga, como se tivesse numa montanha-russa, mas não cheguei a sentir medo ou achar que o avião ia cair”, afirma Rennata. Penso aqui com meus botões… não tem depoimento do tipo “salve-se quem puder”? Tem, justamente do maior amante de turbulências. Antonio conta que  a única vez em que sentiu medo acima do normal foi em uma ponte aérea, de São Paulo para o Rio. Ele foi direto do bloco de Daniela Mercury para o aeroporto de Congonhas todo fantasiado. “E muito alcoolizado. Depois de 15 minutos de voo começou uma turbulência que nunca tinha experimentado antes. Eu bêbado e com um pouco de medo, comecei a rir daquilo tudo, pensando apenas que morreria cheio de glitter no rosto e caso houvesse uma autópsia iriam encontrar uma quantidade absurda de álcool no meu sangue. Eu não conseguia parar de rir alto pensando em como seria meu fim”, conta. 

 
Antonio “curtindo” as mexidas do avião como um embalo de ninar em um voo entre BH e Rio. Ao lado, ele todo carnavalesco desfilando pelos corredores do aeroporto de Congonhas, em SP

Antonio “curtindo” as mexidas do avião como um embalo de ninar em um voo entre BH e Rio. Ao lado, ele todo carnavalesco desfilando pelos corredores do aeroporto de Congonhas, em SP

 

E será que há “pontos positivos” em turbulências. A professora Flora odeia ter de ficar ouvindo detalhes da vida privada alheia em conversas num tom de voz alto durante os voos. Ela compreende que muita gente tem medo de voar e acaba falando demais por estar nervosa, mas — para ela — tudo tem limite. “Quando tem muita conversa, o avião sacode e as pessoas se calam. É bem confortável”, conta a professora, que sempre lidou bem com os tremores no avião. Além de proporcionar mais silêncio, ela gosta das sacudidinhas. “Acho até relaxante, tipo hidromassagem", completa. Flora já passou por situações engraçadas a bordo. Certa vez, uma criança vibrava com as turbulências como se estivesse em uma montanha-russa: “uuuuuuu… olha mãe, de novo… uuuuu…”, imita a professora.  “Eu ri alto. Teve gente que não gostou, provavelmente estavam com medo”, pondera.

E acalmar os nervos de panicados desconhecidos? Vale perguntar sobre isso, né? A arquiteta entrevistada para esta matéria conta sobre uma vez que estava indo para Vitória da Conquista (BA)  (“de turboélice”, ela ressalta — já leu nosso texto aqui no site sobre esses danados?). Quando ela chegou ao assento, cumprimentou a vizinha — “uma moça jovem mais ou menos da minha idade”, conta — educadamente com um “boa tarde”. Ela respondeu, Rennata se sentou e não se falaram mais. Durante o voo, a arquiteta ficou ouvindo música. A outra passageira parecia atenta aos movimentos dos comissários e das outras pessoas, mas não puxou conversa. “Lá pro meio do vôo teve uma turbulência e ela agarrou meu braço com toda força, colou o corpo no assento e começou a falar um monte de coisa, eu tomei um susto e tirei o fone pra ouvir, ela tava rezando, e me olhou com cara de apavorada. Não sei com que cara eu olhei pra ela, mas acho que ela percebeu que tinha se agarrado a uma estranha e me soltou, pediu desculpa, disse que tinha pânico de avião e que isso acontecia sempre que ela estava viajando sozinha e tinha turbulência: ela se agarrava ao vizinho de poltrona por reflexo. Fiquei com pena e segurei a mão dela, falei que tudo bem, que ela podia ficar tranquila, que eu estava acostumada a fazer esse voo e isso acontecia, mas não era nada de mais”, detalha Rennata. As duas começaram a conversar e a companheira de voo acabou contando que já tinha viajado pra Israel e de lá pra Europa de navio, pois não seria capaz de encarar tantas horas de vôo. E que, apesar de odiar voar em turboélices como o que ambas estavam no momento, pelo menos a viagem era rápida. Menos de meia hora depois o avião já tinha pousado. Todas sãs e salvas. 

E, para finalizar, o que essas e esses experts em turbulências têm para recomendar aos demais mortais, pessoas como eu, como nós, leitoras e leitores panicados do rivotravel? A santa Rennata, que deu alento à moça com medo em um turboélice chacoalhante, responde: “se for alguém que gosta de aventura e parque de diversões, sugiro fechar os olhos e se imaginar numa montanha-russa, pra mim é exatamente essa a sensação (nota do repórter: essa ideia parece ser ótima, vou testar da próxima vez)”. Flora complementa: “sugiro que pensem no privilégio de usufruir de um meio de transporte rápido, eficiente, seguro e com comissários qualificados. Além disso, levar consigo algo que distraia ou passe segurança também é bom. Se o medo for patológico, é melhor tomar uma medicação, assim todo mundo viaja feliz”.

Por  enquanto eu me enquadro no caso dos que viajam medicados. Talvez um dia pule para o lado dos que “viajam numa boa”. Mas chegar a ter prazer nas turbulências… acho que já é um salto grande demais a ser dado, não é mesmo? Mas quem sabe.